sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Vazio

Vazio,
trago abismos

para te ofertar.


Do ápice à base
tudo na vida
envereda.


Em troca
te peço pouco:
a queda.


João Andrade

domingo, 10 de agosto de 2008

Em nada creio

Em nada creio
e Deus sabe
o quanto nisso acredito.

Creio como quem morre,
creio como quem sofre,
creio como quem lança um grito.

Em meus poemas,
por exemplo, só creio quando
ainda não estão escritos.


João Andrade

Não escrevo

Para Inês Lana


Não escrevo
porque quero,
os versos se formam em mim,
eu só espero.

Sou como as estações,
no inverno, inverno
na primavera,
primavero.


João Andrade

sábado, 29 de dezembro de 2007

Eu, Ícaro

Eu, Ícaro,
fabriquei labirintos
e minhas asas foram:
a ilusão que não tive,
a esperança que perdi.
Nada restou de mim.

Hoje, tentando reorganizar
minha vida,
faço curso para querubim.

João Andrade

Esta capacidade

Esta capacidade
de se fazer ouvido
quando só há silêncio,
é a capacidade de colocar
sentido no vazio imenso.
É a capacidade
de se esperar a volta
quando ainda se acenam
os lenços.

João Andrade

Com este corpo

Com este corpo
que me foi dado,
dado jogado ao acaso,
vivo, navego e preciso
de improviso
navegar por mares
antes tantas vezes
navegado.

E mesmo indo
aonde sempre tenho ido,
costumeiramente
estou perdido.

João Andrade

Cogito

Cogito, ergo-me, sou
o que deixo escrito.
Deixo marcas, deixo lágrimas,
deixo adeuses, deixo poemas,
deixo mitos.

Deixo rastros e vôo,
deixo versos e sou
meu alfabeto mudo
de gritos.

João Andrade

domingo, 25 de novembro de 2007

Assim

Para Margot Marie


Assim como quem
não quer nada
fiz a Ilíada.

No impulso
da mesma idéia
fiz a Odisséia.

Alguns agora vão dizer
que sou histérico
depois daquele porre homérico.

João Andrade

As coisas

As coisas causam pausas,
quase sempre náuseas,
menopausas.

As coisas causam causas,
quase sempre pousam,
repousam.

As coisas causam quases,
quase sempre morto,
aborto.

As coisas causam coisas,
quase sempre em êxtase,
orgasmadas.

As coisas causam cio,
quase sempre coitos,
coitadas.

João Andrade

Abençoados

Abençoados sejam os bobos.
Enquanto a vovozinha
se diverte com o lobo
diante do espelho,
Chapeuzinho se espanta
com o vermelho.

João Andrade

domingo, 14 de outubro de 2007

Tenho medo

Tenho medo
de criar alguém em mim
e não conhecê-lo.

Não que seja mentira o que sinto,
é que tenho o novelo,
não o labirinto.

João Andrade

Sinto

Sinto que algo em mim nasce,
preciso entender o ser que crio.
já consultei o meu abismo,
estou em paz com o meu vazio.

É que a dor que trago comigo
quer abrigo, está no cio.

João Andrade

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Se esse

Se esse
amor camicase
não me exigisse tanto,
eu juro,
pro seu espanto,
que eu
quase.

João Andrade

domingo, 26 de agosto de 2007

Quando te vi

Quando te vi, um espinho,
logo tentei te impressionar
e transformei gelo em água,
uva em vinho.

Não me olhaste.
Terminei bêbado
e sozinho.


João Andrade

Preciso

Preciso urgentemente
livrar-me de mim.

Decifrar-me,
devorar-me , não ser meu.

Sinto que para este tirano,
para este louco,
eu sou pouco.


João Andrade

sábado, 11 de agosto de 2007

Para tudo dar certo

Para tudo dar certo
é melhor começar por baixo.

Primeiro o teto
depois o espaço.

João Andrade

Guardo o mais nobre

Guardo o mais nobre
de mim para o fim.

Quero levar comigo
a minha mais pura vaidade.

Na hora da despedida quero levar da vida
os olhos cheios de tempestades.

João Andrade

Meu maior risco

Meu
maior
risco
ao devorar
a dor
é esse
petisco
ter
sabor.

João Andrade

sábado, 21 de julho de 2007

O que mais me incomoda

O que mais me preocupa
ou incomoda
é como manter o equilíbrio
quando já me cortaram a corda.
É como preencher o vazio
quando ele transborda,
é não se atirar nos abismos
quando se ama a trajetória da queda
e se odeia a borda.

João Andrade

O nosso amor perdeu a chama

O nosso amor perdeu a chama,
a luz que me revela.

Restou-me a escuridão e o desvario,
um cais em silêncio, adeus sem lenços,
horizontes sem navios.

O nosso amor perdeu a chama
e fiquei a ver pavios.

João Andrade

Não se limite

Não se limite
a dizer coisa com causa.

Não beba o eco ou o cio
que brota de versos alheios.

Não se banhe duas vezes
no mesmo vazio,
mesmo estando cheio.

Não caminhe por estradas conhecidas
nem queira novas perguntas
para suas velhas respostas.

Não se imite,
perca-se no caminho da volta.

João Andrade